“A pessoa está vendo que estou de carro. Ela tem que sair da minha frente”. Essa frase, dita por minha tia enquanto manobrava seu carro no estacionamento de um supermercado, deixa evidente o que milhões de pedestres sabem há décadas: a grande maioria dos motoristas é composta por seres babacas desprovidos de civilidade, e que demonstram enorme incapacidade de conviver em harmonia com quem não está motorizado.
O trânsito brasileiro é uma verdadeira guerra, e quem mais sai perdendo são aqueles que não possuem uma armadura motorizada para protegê-los: os pedestres. Na cidade de São Paulo, das 1.357 mortes no trânsito ocorridas em 2010, 630 foram de pedestres (dados da Secretaria Municipal de Transportes). E não é difícil entender porque tantas pessoas perderam a vida enquanto apenas caminhavam pelas ruas da cidade. Bastam alguns minutos observando o comportamento dos motoristas para surgirem cenas de imprudência, desrespeito e absurdas demonstrações de incivilidade.
Diante de tantas barbaridades no trânsito que causam risco à vida de pedestres, a Prefeitura de São Paulo criou o Programa de Proteção ao Pedestre, um conjunto de medidas que visam a “valorização” do pedestre por meio de ações educativas e punitivas (com multas de R$ 85,12 a R$ 191,53). E, quem diria, logo no primeiro dia da aplicação das multas 20 pessoas foram atropeladas na cidade, o que mostra que nem com conscientização e colocando a mão no bolso os motoristas consideram a possibilidade de respeitar quem é mais fraco.
Toda essa brutalidade no trânsito, claro, não é de agora. O que vemos hoje nas ruas é fruto de décadas de descaso do poder público, sempre negligente e omisso, optando por favorecer o transporte individual, criando assim cidades cada vez mais hostis com os pedestres.
O carro traz liberdade, dá status, aumenta a autoestima. Não à toa é um verdadeiro sonho de consumo para a maioria dos humanos. Por isso, para essas pessoas, tentar “atrapalhar” seus desfiles pelas ruas da cidade mostrando a potência dos seus motores, o brilho da pintura da carroceria e o conforto dos seus bancos é um ultraje, um desrespeito ao seu direito de usufruir das ruas que são, na cabeça deles, de sua propriedade. “EU TENHO QUATRO RODAS E SOU 1.6! ME RESPEITE!”, devem pensar eles.
Enquanto as pessoas tiverem essa noção torta de que são imbatíveis e que ganham poderes que os transformam em super-humanos quando estão atrás do volante de seus carros, e que os pedestres só estão nas ruas para atrapalhar seu caminho, será impossível enxergar civilidade no trânsito das grandes cidades.